É natural de Coimbra, mas é na aldeia de Vila de Barba, onde recuperou a casa dos pais, que passa o tempo que as funções no Turismo de Portugal não lhe consome. Engenheiro Florestal de formação - sem mestrados nem doutoramentos, porque entende que aprende-se mais a fazer do que a estudar - começou o seu percurso profissional no Serviço Nacional de Parques Reservas e Conservação da Natureza - atual ICNF -, passou pela Quercus e por vários cargos na administração pública. Um deles foi na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, onde participou na génese da Redes Colaborativas. Armando Carvalho (na foto) é um profundo conhecedor dos territórios do interior do país e das suas dores de desenvolvimento, gosta de viajar e é um apaixonado pela natureza. Em Coimbra, no Turismo de Portugal, monitoriza as Redes Colaborativas e as questões da sustentabilidade ligadas ao turismo. Em Vila de Barba, fundou a "Foge Comigo!", uma editora de guias e informação turística (foto2), que faz compensação carbónica através da "Floresta Destinos", uma propriedade da família que o engenheiro tem feito crescer através de aquisições aos vizinhos."Quero fazer aqui um exemplo de como se faz regeneração florestal", diz. Numa conversa entre o escritório da "Foge Comigo" e os bosques da Floresta Destinos, Armando Carvalho fala da importância e dos desafios das Redes Colaborativas, dos paradigmas entre o público e o privado e a necessidade de os quebrar, de sustentabilidades - de várias - e das novas tendências que é preciso aproveitar para valorizar o turismo e os territórios do interior.
Comecemos pelas paixões. "Foge Comigo!", é uma empresa em jeito de convite?
(Risos) A "Foge Comigo!" é fruto da minha vontade e gosto de viajar e fazer coisas. Quando andava na Universidade de Aveiro, e após uma viagem pelo país, um professor meu disse-me que eu tinha que comprar os “Guias de Portugal”. Estes guias, da autoria de Santana Dionísio e Raúl Proença, começaram a ser editados em 1924, mas eu não os conhecia, até que um dia consegui comprar um deles numa feira do livro. A minha ideia inicial era atualizá-los e ainda tentei fazer chegar a um entendimento com a editora, mas sem sucesso, o que me levou para o caminho que hoje estamos a fazer.
Nesta era de digitalização, as pessoas ainda querem ter guias em papel?
A lógica dos guias "Foge Comigo!" é passar conhecimento, influenciar as pessoas e consciencializá-las para a importância do turismo sustentável, dos produtos locais, dos códigos de conduta, etc. São guias com muita informação e, no digital, aquele pequeno retângulo é muito limitado e tem que se estar sempre a ligar e desligar. Para muitos, ainda é mais fácil e prático lidar com um pedaço de papel que se mete e tira do bolso.
E atualmente “estão a fugir para onde”?
O último guia que fizemos foi o da ilha Terceira, nos Açores, mas a "Foge Comigo!" não faz só guias. Temos o departamento editorial, a Foge Comigo Destinos, que tem uma loja online, temos o departamento de compensação ambiental, a Floresta Destinos, e depois o departamento de prestação de serviços, que faz guias, folhetos e outros formatos de informação à medida.
Da floresta para o turismo
Está há quase cinco anos no Turismo de Portugal. O que faz um engenheiro florestal no Turismo de Portugal?
Eu cheguei ao Turismo de Portugal na sequência do que aconteceu em 2017 – os incêndios. O Turismo de Portugal não tem nada a ver com o combate aos incêndios, mas tem muito a ver com a valorização dos territórios do interior, onde ocorrem esses problemas. A minha função genérica é contribuir para o desenvolvimento, valorização e promoção do turismo do interior, que está muito relacionado com o turismo de natureza, o património rural, as aldeias, e um turismo de sustentabilidade. E isto tem muito a ver com o meu percurso profissional. Eu comecei a trabalhar no então Serviço Nacional de Parques Reservas e Conservação da Natureza (atual Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas - ICNF), onde voltei mais tarde, já desempenhei funções também na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), onde participei na génese da Rede de Aldeias do Xisto.
"Os organismos centrados em Lisboa nem sempre têm a perceção do que está feito e do que existe no terreno. E não me refiro à perceção histórica ou aos patrimónios que estão lá há milhares de anos, mas ao investimento que foi feito nos últimos anos e aos bons resultados que esse esforço originou".
E como encontrou o Turismo no Interior quando chegou ao Turismo de Portugal?
Quando cheguei o que chamei à atenção foi para o facto de que não estaríamos a partir do zero, porque já havia muita coisa feita e bem feita. Os organismos centrados em Lisboa nem sempre têm a perceção do que está feito e do que existe no terreno. E não me refiro à perceção histórica ou aos patrimónios que estão lá há milhares de anos, mas ao investimento que foi feito nos últimos anos e aos bons resultados que esse esforço originou. Por exemplo, a CCDRC teve iniciativas que quer a Norte, quer a Sul, no Alentejo e no Algarve, nunca existiram, o que resultou numa estruturação, não só territorial, mas de desenvolvimento estratégico. A ADXTUR - Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto e a Aldeias Históricas de Portugal – Associação de Desenvolvimento Turístico, e a mais recente rede de Aldeias de Montanha, são alguns exemplos.
São entidades com diferentes estados de maturidade e desenvolvimento.
Sim, mas o que é importante é que estão a pensar as coisas para o futuro. Uma das minhas funções no Turismo de Portugal é monitorizar as Redes Colaborativas e o que vejo é que, apesar de parte das iniciativas serem avulsas, dos tempos diferentes de nascimento e das estratégias diferentes, os resultados são visíveis.
São os benefícios de uma aprendizagem ou estratégia coletiva?
Eu sou do tempo em que as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional tinham as Câmaras Municipais como “clientes” quase exclusivos e essa realidade é hoje muito diferente. Hoje temos as Comunidades Intermunicipais, os PROVERE, as Redes Colaborativas, e podemos utilizá-las para potenciar uma espécie de inteligência coletiva. Cada um tenta fazer o melhor para o seu território, de formas diferentes, obtêm referências de como está a funcionar nas outras organizações e partilham. Hoje é possível a quem está a trabalhar a Peneda Gerês aprender com o que se está a fazer na Rota Vicentina, por exemplo, apesar das pessoas nunca se terem sequer encontrado. E, mais importante, todos percebem que não estão a trabalhar sozinhos.
Faz então um balanço positivo do trabalho realizado pelas Redes Colaborativas?
Sim, claramente, embora ressalvando as diferenças entre elas, até porque, algumas são quase exclusivamente públicas, como é o caso de algumas que são associações de municípios, e outras privadas, como é o caso da Heranças do Alentejo ou a Rota Vicentina. E há ainda as mistas, como as Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal, por exemplo. E é preciso ver quais as vantagens dos vários modelos existentes.
Tem também responsabilidades no mapeamento de tudo o que é sustentabilidade no setor do turismo. Qual é a importância desta componente?
Quando se fala em sustentabilidade e desenvolvimento turístico, quer no setor do turismo de natureza, quer no setor do turismo como um todo, fala-se de sustentabilidade na vertente económica, na vertente social e na vertente ambiental, mas, hoje em dia, em função dos problemas com que nos deparamos, há uma outra componente que tem de estar presente: a exigência de uma maior celeridade, transversalidade e eficácia em como as coisas são feitas. É a questão da governança ou de como se aplica, desenvolve e operacionaliza um determinado modelo que se pretende radicado nas várias vertentes da sustentabilidade, quer seja numa determinada temática e geografia ou a todo o território nacional.
A inteligência das Redes Coletivas
É preciso encontrar os modelos de governação mais ágeis?
Sim, para melhorar a rapidez e a operacionalidade das tarefas. Modelos que se situem entre a rigidez da administração pública, que por vezes tem mesmo que existir, e a flexibilização e agilidade da iniciativa privada, que também não são totais. Modelos que permitam a melhor maneira de concertar esforços, apesar de saber que essa concertação tem um custo.
As Redes Colaborativas têm respondido a essa necessidade?
Penso que sim. Pela primeira vez, pese embora as Associações de Desenvolvimento Local também tenham conseguido concertar investimento público e privado na escala do mundo rural e terem conseguido resultados, as Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal conseguiram não só essa concertação de investimento, naqueles territórios, que são mais débeis e onde existe muita escassez de capacidades, quer de conhecimento, quer de agentes, mas também conseguiram motivar os investidores, mostrando que existe uma estratégia à escala supramunicipal, o que muda a perspetiva do investidor privado pois assegura que existe uma estratégia a desenvolver ao longo de vários anos.
"Muitas vezes, na administração central, a descontinuidade das políticas públicas é uma situação perversa para a lógica do investidor".
A continuidade do desenvolvimento dessas estratégias é muito importante para os investidores?
É determinante, porque permite desenvolver uma iniciativa que está concertada e focada ao longo de vários anos,e que tem uma instituição por trás com quem se pode falar para resolver qualquer assunto. Muitas vezes, na administração central, a descontinuidade das políticas públicas é uma situação perversa para a lógica do investidor. Outra situação muito importante nesta questão das Redes, é conseguir-se lançar uma iniciativa num município dentro de um território, e se essa iniciativa correr bem, facilmente se consegue disseminar como boa prática e replicar noutros municípios dentro de um determinado território. Mas, para que isto aconteça, é necessário injetar energia no sistema. A definição e rede implica que exista um nó central que é o nó dinamizador de toda a articulação dentro dessa rede e isso tem um custo de funcionamento com pessoas, mas os resultados surgem, são visíveis e são mensuráveis.
Já falou nas muitas vantagens das redes, e desafios? Quais são os grandes desafios para melhorar o funcionamento das redes colaborativas? Encontrar o modelo de governação ideal?
Passa por aí, mas o modelo de governança não é um objetivo em si. O objetivo em si é criar um modelo de sustentabilidade que tenha em conta, entre outras coisas, a vertente económica, porque ela é absolutamente crucial para a viabilidade e sustentabilidade dos territórios. Aí é que a aplicação do tal modelo de desenvolvimento sustentável, que atualmente baseamos como a economia circular aplicada a determinados territórios, começa a ter em conta uma coisa que temos de concretizar: a venda. E a venda aqui não é perversa, porque pode ser qualquer bem ou serviço ou até pode ser de serviço público que pode ser rentabilizado.
Quando fala em sustentabilidade económica refere-se a que a Rede e a própria equipa que gere a Rede seja sustentável economicamente ou que crie as condições para que a região daquela Rede seja sustentável em termos económicos?
As duas coisas. Repare, onde é que as pessoas deixaram o dinheiro nesta época festiva, quais foram os grandes centros de negócio? Em todos os locais que estavam organizados para captar e receber o dinheiro das pessoas. É a questão da distribuição. Nós temos que nos organizar para captar o dinheiro das pessoas.
"Temos de perceber como aproveitar o património que já existe e que não carece de investimento, como o património natural, por exemplo. Um caso que eu gosto de assinalar é o da Estrada Nacional 2"
É possível fazer isso nos territórios?
Temos de perceber como é que conseguimos meter estas temáticas ligadas ao turismo de natureza num circuito comercial, e isto não é uma matéria de concorrência, mas de complementaridade entre os diferentes produtos turísticos que temos no país, entre o que é mais litoral, interior, material ou imaterial, mais património ou mais experiências. Temos de perceber, dentro da Estratégia do Turismo 2027, dentro dos diferentes produtos de turismo que lá estão, como é que os podemos estruturar.
Temos de perceber como aproveitar o património que já existe e que não carece de investimento, como o património natural, por exemplo. Um caso que eu gosto de assinalar é o da Estrada Nacional 2 (N2). Sem nenhum investimento, porque a estrada já lá está desde o tempo do Estado Novo, criou-se um produto novo e diferente. Até há poucas agências a vender a N2 como produto turístico, é mais o uso de pessoas individuais que simplesmente, vão, mas porque sabem que está lá qualquer coisa. Foi uma questão de comunicação. A comunicação é a chave para tudo funcionar. O surf, no litoral, é outro exemplo. O mar e as ondas sempre estiveram lá.
Mas, voltando ainda à questão da sustentabilidade e da necessidade de venda. É a própria Rede que deve assumir esse papel?
Há muitas vertentes e modelos e não há soluções iguais para tudo. Veja-se as Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas de Portugal, a primeira vende diretamente, a segunda não. Atualmente, pode-se vender de várias maneiras. Pode-se vender através dos agentes ou operadores turísticos, que depois vendem ao consumidor final, seja um produto já estruturado ou estruturado por eles. Outra situação passa por ter uma rede organizada num território que agrega tudo isso e, numa escala maior, ter uma plataforma agregadora de todas as iniciativas em conjunto. Agora, o que é preciso é ter em conta esta vertente económica, senão, não há viabilidade e perdem-se as equipas e os investidores.
"Temos de encontrar uma forma de conseguir que atratividade turística seja o motor do desenvolvimento do território e não meramente uma forma de mobilizar os agentes de uma atividade. O turismo em si, pode ter muitas ramificações que estão relacionadas com a atividade".
É fundamental gerar escala.
Claro! É possível que em algum território haja um agente ou um empreendimento que consegue, que tem o sucesso garantido, porque tem dimensão, nome, marca, imagem, faz comunicação, etc, mas nem todos têm essa capacidade, o que nos obriga a ter de ver as coisas numa lógica mais alargada. Quando se fala em turismo de natureza, é preciso saber agregar todos os agentes e não meramente somá-los ou somar as suas iniciativas. Eu digo isto em relação ao turismo do interior, mas pode ser aplicado a qualquer região. Temos de encontrar uma forma de conseguir que atratividade turística seja o motor do desenvolvimento do território e não meramente uma forma de mobilizar os agentes de uma atividade. O turismo em si, pode ter muitas ramificações que estão relacionadas com a atividade.
E que tipo de ramificações podem ser essas?
Iniciativas de carácter florestal, por exemplo. Há partida podem não ter valor nenhum, mas a certa altura está-se a vender sustentabilidade. As pessoas estão abertas a isso, porque estão atentas às questões das alterações climáticas e, a certa altura, interrogam-se como é que podem contribuir para a solução, e essa contribuição começa a entrar na cadeia de valor. Pode-se, por exemplo, por uma aldeia a funcionar numa lógica de economia circular. O restaurante local a usar os produtos e serviços locais. Isto não é simples, mas não é impossível.
Então, voltando um pouco a trás, o principal papel das redes é criar e estruturar o produto?
Sim, e não apenas em termos de comunicação, é preciso estruturar para a venda. Estruturar só em termos de comunicação é fazer um folheto que apresenta o território, quando estamos a falar de estruturar para a venda estamos a falar de um suporte de comunicação que já mencione os agentes aptos a oferecer o produto e a identidade do território. No final das férias, o que as pessoas querem é contar ao colega a experiência que tiveram, as pessoas querem ter uma história e uma vivência para contar. E essas vivências e experiências têm de ser boas, quer seja um parto de carne, um bolo ou uma aventura na natureza.
Uma nova vaga de mentalidades
É preciso acompanhar as mudanças de comportamento e gostos do consumidor. O turista está a mudar?
O mundo está a mudar a velocidade enorme e o turismo também, em tudo o que são as opções das pessoas, e há coisas que nos devem fazer pensar. O caso da N2 é um desses casos. O que é que levou as pessoas a fazer aquilo? Houve uma associação de municípios que juntou alguns interessados fez alguma comunicação, mas isso não explica tudo o que aconteceu. Portugal não tinha uma roadtrip em Portugal, nem houve alguém a dizer “vamos criar uma roadtrip”, mas ela surgiu. Há uma vaga de novas mentalidades a surgir.
E isso vai acontecer também ao nível do turismo de natureza?
Já está a acontecer, porque as pessoas estão a mudar. Veja-se a evolução do número de bicicletas vendidas nos últimos vinte anos, do número de praticantes de caminhadas e de trails. Nos Açores e na Madeira há uma enorme procura de serviços de observação de baleias, tartarugas, somos o país da Europa onde entra mais gente para observar aves e temos várias atividades novas a aparecer, como o canyoning, por exemplo.
"Tanto as pessoas que estão a mudar dos territórios urbanos para os rurais, como os estrangeiros que estão a escolher o nosso país para viver e optam pelo meio rural, têm um enorme valor, porque são pessoas qualificadas, têm capacidades e formas diferentes de pensar e agir, e até formas inovadoras de se relacionar com as comunidades".
O turismo do interior está preparado para esta nova vaga de mentalidades e de atividades turísticas?
Estamos melhor. Recordo-me que nas décadas de 1980 e 1990 quando eu queria fazer turismo de montanha ia para Espanha ou para Marrocos. Hoje não é necessário. Nos últimos vinte anos estruturámos o país quase todo. Temos falhas, nomeadamente, ao nível das ligações e na continuidade inter-regional. Ainda não se conseguiram criar iniciativas a nível nacional e fazer as ligações com as redes estrangeiras, mas, sim, fez-se muita coisa nas últimas duas décadas.
Dentro das mudanças de mentalidade temos também assistido a um crescente aumento de pessoas, nacionais e estrangeiros, que migra para os territórios rurais. Em que medida é que estas pessoas podem fazer parte desta nova equação?
Tanto as pessoas que estão a mudar dos territórios urbanos para os rurais, como os estrangeiros que estão a escolher o nosso país para viver e optam pelo meio rural, têm um enorme valor, porque são pessoas qualificadas, têm capacidades e formas diferentes de pensar e agir, e até formas inovadoras de se relacionar com as comunidades. Já passámos o tempo dos hippies, hoje, quem vem, vem com paixão, para ficar, e muitos vêm porque encontram e têm cá uma natureza que eles entendem ser mais pura que a existente nos países deles.
Há mudanças que ocorrem naturalmente, outras que têm de ser induzidas. Já falei no caso da N2, mas veja-se o que aconteceu com o surf, no litoral do país. A infraestrutura já lá estava – o mar e as ondas – e até era alvo de alguma procura, sobretudo estrangeira e, de repente, tornou-se numa atividade muito atraente no contexto turístico e gerou-se uma oportunidade que foi agarrada por várias entidades, estruturou-se a oferta em toda a costa e criou-se um produto que veio combater a sazonalidade inerente ao turismo de praia.
Temos que encontrar os “surfs” do interior?
É mais ou menos isso. No interior já temos imensas infraestruturas das quais podem sair novos produtos e serviços turísticos, mas que tem alguns problemas para resolver em termos de modelo de gestão e manutenção, por exemplo, o que dificulta a ligação à componente de negócio.
E qual seria a solução ou o melhor modelo de gestão?
Temos que mudar o paradigma da relação entre o público e o privado. O investimento público em infraestruturas tem uma importância capital, só que muitas vezes as entidades gestoras destes equipamentos não têm a flexibilidade para resolver os problemas que vão surgindo, como a manutenção, por exemplo, devido aos procedimentos administrativos que são necessários, e isso tem de mudar. Como? Eu penso que o modelo até já foi encontrado e já é aplicado, por exemplo, nas praias fluviais. Até 2000-2007, as praias fluviais eram sítios onde se davam uns mergulhos, mas a partir de certa altura ganharam outro valor e foi necessário munir estes espaços com outro tipo de equipamentos – sanitários, parques de estacionamento, amenidades, bar, restaurante e outros serviços - , para que estes locais passassem a ter uma característica oficial e fossem reconhecidos pela sua qualidade. Tudo isto representou investimentos e novos encargos para os municípios, mas esse problema foi resolvido com o modelo de concessão, que liberta os municípios dos encargos e dos trabalhos de gestão e manutenção do espaço, e de criar o negócio que é necessário gerar à volta da infraestrutura. E assim se criou um produto autónomo de elevado valor acrescentado para os territórios do interior, e a funcionar bem.
"Temos de sair do referencial de que só é possível fazer conservação da natureza
em áreas protegidas. No atual contexto de alterações climáticas temos que ser mais ambiciosos".
Será possível aplicar esse modelo a áreas protegidas/classificadas, como acontece em alguns países no estrangeiro?
Muitas vezes o que acontece no país tem muito a ver com as leis que o gerem e nós temos desse ponto de vista uma má herança. Há também a questão cultural e estrutural que é visível ao nível a gestão da floresta. Por exemplo, nós somos o país da Europa onde a grande maior parte do território é privado e isso dificulta muito as coisas.
Quando eu estive na Quercus sempre defendi que a associação tivesse um papel de demonstração e não só de combate. Essa estratégia até começou com a aquisição de terrenos na Beira Baixa, que depois vieram a dar origem ao Parque do Tejo Internacional. Temos boas referências dos Países Baixos e das ilhas Britânicas, por exemplo, onde os maiores proprietários são associações de conservação da natureza através de Trusts – fundos – que fazem de interface entre o Estado e as populações, gerem os espaços, criam receitas, prestam serviços às comunidades, e retiram ónus ao Estado.
Agora começaram a surgir modelos como a Faia Brava e a Rewilding Portugal que têm uma capacidade tremenda de intervenção no terreno e querem fazer conservação. Eu estou envolvido num movimento ligado à regeneração, uma espécie de laboratórios regenerativos, que está a reunir, mapear, e juntar todas as iniciativas a nível nacional de entidades privadas gestoras de património fundiário. Ainda não tem nome. Já fizemos um inquérito sobre o que são e o que acham que deve ser feito. Temos já levantadas cerca de uma centena de iniciativas dos quais resultam cerca de 30 mil hectares de conservação e regeneração de natureza no país. Atividades de rewilding, renaturalização, regeneração, agricultura sintrópica. Também aqui está-se a criar uma rede.
A conservação da natureza está a sair das áreas protegidas?
Temos de sair do referencial de que só é possível fazer conservação da natureza em áreas protegidas. No atual contexto de alterações climáticas temos que ser mais ambiciosos. Esse movimento está a surgir de várias entidades privadas e começa a haver capacidade e condições para que haja gestão e conservação da natureza ao nível privado, seja em áreas classificadas ou não. A nível público está-se neste momento a implementar o modelo da co-gestão, mas eu tenho muitas dúvidas de que resulte, porque é a passagem da gestão e uma só entidade, o ICNF, para um coletivo que depois acaba por não fazer nada porque não tem os meios técnicos, humanos e financeiros para o fazer.
Os empresários queixam-se de falta de mão de obra no setor e as escolas de hotelaria e turismo têm vindo a perder alunos – números oficiais apontam para uma quebra de 28% do número de inscritos nos últimos cinco anos. O que é que está a acontecer, porque é que há menos jovens a ir para turismo?
Julgo que a população que se matricula nas escolas vê o resultado da escola, o produto final, o aluno formado, como um funcionário ou colaborador que saí dali para ir trabalhar numa unidade de turismo, e não como um potencial empresário. É verdade que um restaurante, uma unidade de alojamento ou de animação, demora tempo e custa muito dinheiro a fazer, e muitos acham que não conseguem por variados motivos. No entanto, mesmo estes, que acabam a trabalhar por conta de outrem dão ótimos profissionais e têm boas remunerações.
O que eu posso dizer é que os últimos anos têm sido as melhores “fornadas”. Enquanto antes via-se que boa parte dos alunos estava ali quase por engano, hoje é o contrário. Os alunos sabem muito bem ao que vêm e o que querem, e o Turismo de Portugal é uma máquina de formação que deve ser aproveitada.
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