Inês Seabra, nos jardins da vila de LusoGEO2GO:
HÁ MUITO LUSO ALÉM DAS TERMAS

Com o esmorecer do turismo termal, a atividade turística na vila de Luso está a reinventar-se. Virou-se para a Serra do Caramulo e para Mata do Bussaco, que é hoje o ex-libris da região. Inês Seabra faz parte dessa reinvenção. Para a cofundadora da empresa de animação turística Geo2Go, a Mata tem um potencial enorme, mas há um mundo por descobrir fora daqueles muros e não se podem cometer os erros do passado. “O Bussaco vende, mas esgota-se”, diz, apontando para a necessidade de uma visão alargada para o turismo na região, apoiada na criação de novos produtos e um trabalho em rede entre os municípios e as empresas do setor.

“Encerrados para férias. Reabrimos a 1 de julho”. A mensagem “colada” nas portas de boa parte dos estabelecimentos comerciais da vila de Luso é mais do que um aviso do período anual de descanso. É um sinal de um passado que já não existe. Nas décadas de 1980 e 1990, a época alta nas termas mais conhecidas do país começava no sétimo mês do ano e prolongava-se até ao final do verão. Então criança, Inês Seabra recorda-se bem dessa época. “Eram rios de gente. Não devia existir lugar algum no país com tantos hotéis e pensões por metro quadrado”, descreve. Nascida na vila e criada numa pensão, Inês vinca a ideia. “Na pensão da minha avó, cheia todo o verão, as mesas rodavam três vezes ao almoço e ao jantar”.

Alicerçadas numa marca forte que se “sentava” à mesa dos Portugueses, as Termas de Luso “secavam” tudo à sua volta. A Mata do Bussaco era um local agradável para um passeio familiar e a Serra do Caramulo, uma montanha como tantas outras, porém, quando o Estado deixou de comparticipar os tratamentos termais, em 2011, o termalismo entrou em queda. “Foi um período muito difícil”, diz Inês. Durante algum tempo, a Câmara Municipal da Mealhada ainda subsidiou o custo dos tratamentos e, em 2019, as comparticipações regressaram, mas mais modestas e incapazes de evitar uma nova realidade. Hoje, as cicatrizes do declínio do turismo termal são ainda bem visíveis na vila. Muitos dos edifícios das pensões e hotéis que não se conseguiram adaptar estão hoje devolutos, mas veem-se também sinais de reinvenção e esperança. 

Da água para a floresta
Inês e a Geo2Go são um exemplo dessa mudança. Pensada em 2018, esta empresa de animação turística foi criada com o intuito de criar novos produtos turísticos para quem visita a vila e a região. Nesse ano, a Mata do Bussaco foi classificada Monumento Nacional, o que a catapultou para a ribalta do turismo local. Já antes, a Junta de Freguesia tinha adotado o nome Luso-Bussaco, e a Mata aumentou o seu valor como produto turístico. “O Bussaco vende e a Fundação Mata do Bussaco tem feito um excelente trabalho, mas esgota-se. Temos que olhar para a região, daqui ‘Luso’ até à Barragem da Aguieira”, defende Inês.

Composta por fundadores com ligações à vila e à natureza, sentiram que havia espaço para o que pretendiam fazer. Estudaram a oferta e o potencial existente e, entre as possibilidades, surgiram os Banhos de Floresta. Embora tenha perdido algum capital do segmento de saúde, a vila de Luso estará associada ao turismo de bem-estar, que ganhou força, transformando-se num trunfo para as unidades hoteleiras. Os programas disponibilizados pelo Grande Hotel de Luso são um exemplo.

“O Bussaco vende e a Fundação Mata do Bussaco tem feito um excelente trabalho, mas esgota-se. Temos que olhar para a região, daqui ‘Luso’ até à Barragem da Aguieira”

Esta atividade baseada na natureza, que visa combater o stress originado pelo frenesim da vida quotidiana veio dar um novo ímpeto ao património florestal e originar um novo produto turístico. “Tomámos conhecimento dos Banhos de Floresta durante o processo de estudo que realizámos”, conta Inês, adiantando que estão a ver a melhor forma de a disponibilizar. Por enquanto, a Geo2Go está centrada em caminhadas com conteúdo. A última chamou-se “Bussaco ao nascer do sol”. Começou às quatros horas da manhã rumo ao topo da Serra, onde se observa o nascer do sol e recarregam energias com um pequeno-almoço regional, e depois desce-se ao sabor da história e das estórias locais. “Mais do que a história, as pessoas gostam de saber curiosidades que não vêm nos livros”, diz Inês. “E eu, como sou de cá e vivi a infância na Serra e na Mata, conheço muitas dessas curiosidades”, adianta.

A promoção dos eventos é feita através das redes sociais da empresa e as inscrições são recolhidas através do site. Os turistas portugueses vêm sobretudo de Viseu, Coimbra, Aveiro. “Não sabemos quem são. Alguns vêm sozinhos e dedicam-se a isto - às caminhadas - quase todos os fins-de-semana do ano”, revela Inês. Já os estrangeiros vêm por outros caminhos.

Inês Seabra, cofundadora da Geo2Go. Luso, Mealhada.Criar Turismo de Natureza
Além da Serra do Caramulo, a Geo2Go tem promovido caminhadas na Serra da Lousã e em Sicó, uma oferta que se revelou acertada no atual contexto de saída da pandemia.

O crescimento da Geo2Go têm-se feito passo-a-passo e o próximo é a constituição de uma base logística, uma sede. “Precisamos de ter um local no nosso meio para receber as pessoas”, defende Inês. Esse local será nos arrabaldes da Mata do Bussaco.

Apesar da abordagem regional da empresa, é impossível escamotear a importância do Monumento Nacional na estratégia da empresa. “O Bussaco cresceu muito como produto turístico, já não é como no passado”, exclama. “Mas há muito trabalho a fazer para além dos muros da Mata”, adianta.

“No presente, o turismo existente é o do senhor que vem com os filhos, estaciona o carro, dá uma volta ao Palace Hotel e aventura-se um pouco pelos caminhos e pouco mais”

“Queremos trabalhar de dentro para fora e de fora para dentro”, sublinha Inês. Fora, a empreendedora entende que há sítios belíssimos que são desconhecidos e que importam valorizar. Já lá dentro, Inês defende que o turismo existente não é o chamado turismo de natureza. “No presente, o turismo existente é o do senhor que vem com os filhos, estaciona o carro, dá uma volta ao Palace Hotel e aventura-se um pouco pelos caminhos e pouco mais”, defende. A Fundação Mata do Bussaco tem tido um papel importante na valorização do espaço, mas não chega. Apesar de fazerem um pouco de promoção e animação turística, na opinião de Inês, o foco da Fundação deve ser a manutenção e conservação da Mata. “Nós queremos trabalhar com a Fundação e a Fundação manifestou-nos que não só quer trabalhar connosco, como precisa de mais empresas como a nossa”, revela Inês.

Trabalho em rede
Os turistas que visitam hoje o Luso, não o fazem só para visitar a vila, frequentar as termas ou visitar a Mata do Bussaco. O destino deixou de ser local para ser regional e as estadas deixaram de ser quinzenais para serem “escapadas” de fim-de-semana. Para se adaptar e recuperar o passado que interessa ao turísmo da região, a multiplicidade de ofertas tem que se juntar e criar produtos estruturados que convidem os visitantes a ficar mais tempo.

Para Inês, a primeira barreira a ultrapassar são as fronteiras municipais. “É natural que depois de investirem no seu território, os municípios não gostem de ver os turistas a saltar para o concelho vizinho, mas é preciso ultrapassar este preconceito. Todos ganham com um trabalho conjunto em prol da região”, defende. O Luso-Bussaco - terminologia agora adotada pela Junta de Freguesia de Luso -, por estar numa encruzilhada de três concelhos pertencentes a três distritos diferentes, torna o diálogo imperativo para o desenvolvimento de uma estratégia regional vencedora. “Se cada um trabalhar para si, a Serra fica esfrangalhada”, diz Inês, apontando o exemplo da estrada para o Miradouro da Cruz Alta, que esteve anos em más condições, por falta de entendimento entre os três concelhos da qual faz parte - Mealhada, Mortágua e Penacova.

“Esta ideia de que as parcerias são 'entregar o ouro ao bandido" tem que mudar”

Trabalho em rede e colaboração constante são as linhas mestras de um desenvolvimento que serve todos, e não se circunscreve apenas ao setor público. Até ao início da pandemia, a Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra organizava uns eventos aos quais chamava várias empresas do setor, com o objetivo de fomentar possíveis sinergias. “Era uma excelente iniciativa que espero que volte a realizar-se em breve”, assinala.

Neste campo, a sócia da Geo2Go dá um exemplo do valor acrescentado que se pode criar. Conhecedora da zona, a Geo2Go viu nas Cascatas da Ribeira de Paredes, no concelho de Mortágua, um possível local para a prática de Canyoning, mas como não tinham experiência neste tipo de atividade, contactaram a Zona Canyoning, uma empresa de Aveiro especializada nesta prática no rio Frades, em Arouca. Juntos equiparam o percurso e quem agora visitar a região tem a possibilidade de praticar esta modalidade aventura ali, a 30 minutos de distância. Ganharam a região, as empresas e o turista. “Esta ideia de que as parcerias são 'entregar o ouro ao bandido' tem que mudar”, diz Inês. “E, felizmente, já está a acontecer”, remata.

@iNature