Fernando Ruas, coordenador do CETS - Terras do LinceTERRAS DO LINCE

A Reserva Natural da Serra da Malcata é sinónimo de Lince-ibérico e apesar do felino não ser avistado na região há largos anos, há uma indissociabilidade histórica entre a região e o felino que é, por si só, um produto turístico. É assim que pensa Fernando Ruas, Coordenador da Carta Europeia de Turismo Sustentável – Terras do Lince, uma “vontade”, como lhe chama, de várias entidades públicas e privadas para fazer desta região um destino turístico de natureza. Em entrevista, o ex-professor de inglês, agora técnico de Turismo no Município do Sabugal, aborda os objetivos que se pretendem alcançar e os desafios que os atores envolvidos no projeto terão de superar para o conseguir. “Precisamos de todos”, apela, e acredita que, mais tarde ou mais cedo, o Lince vai regressar a casa. “Estamos a criar as condições para isso, mas vai ser um trabalho longo e exigente”, avisa.

O que é a Carta Europeia de Turismo Sustentável (CETS)?
A CETS é um galardão atribuído pela Federação EUROPARC, a Federação Europeia de Parques, a um território que tem de ter uma área protegida e/ou classificada, e que ali pretenda desenvolver a atividade turística de forma sustentável, através de uma metodologia participativa de trabalho em rede junto da comunidade, de forma a conseguir o desenvolvimento do território e da atividade turística de forma sustentável.

Chama-se CETS – Terras do Lince. Porquê este nome se não existe lince aqui há anos?
É uma questão importante e que faz sentido. Porque é que estamos a tentar vender algo que não temos. Porque apesar de não termos Lince, temos a história do Lince. A história do Lince na península ibérica está ligada à Reserva Natural da Serra da Malcata, portanto, temos o direito a viver a história e a memória do Lince e isso também é produto turístico. Além disso, é importante reavivar essa memória porque vincula-nos e responsabiliza-nos no que concerne à conservação da natureza. É por isto que entendo que o nome “Terras do Lince” faz todo o sentido para a nossa Carta.

Já lá vamos ao trabalho que está a ser feito para fazer regressar o lince. Sobre a Carta, está numa segunda fase. Estamos num território de Turismo sustentável?
Sim, estamos. O galardão foi renovado em dezembro de 2022. É um galardão temporário, isto é, tem a duração do plano de ação submetido à Federação EUROPARC, que após reavaliação do plano de ação anterior e avaliação de um novo plano de ação para os cinco anos seguintes é ou não renovado. É um trabalho contínuo e muito intenso.

"Os objetivos nestes territórios do interior é sempre fazer mais por eles, conseguir trazer algum desenvolvimento e novas dinâmicas e, neste caso em particular, trabalhar a componente das áreas protegidas e do património natural, que têm estado algo esquecidas."

De quem foi a iniciativa de candidatura à CETS e quais eram os seus objetivos iniciais?
Foi uma iniciativa do anterior mandato da Câmara Municipal do Sabugal, com seguimento no atual, contando com o acompanhamento de uma pessoa ligada à EUROPARC – Paulo Castro -, de onde se concluiu que a iniciativa podia acrescentar valor à Serra da Malcata e a esta região. Os objetivos nestes territórios do interior são sempre fazer mais por eles, conseguir trazer algum desenvolvimento e novas dinâmicas e, neste caso em particular, trabalhar a componente das áreas protegidas e do património natural, que têm estado algo esquecidas.

 

Fernandos Ruas, coordenador do CETS - Terras do Lince, no Sabugal.Com o turismo no centro da estratégia, certo?
Sim, porque é uma atividade com grande potencial de crescimento tendo em conta o património natural, cultural e histórico aqui existente. Há também quem defenda outros “caminhos”….

Que “caminhos”?
Mais acessibilidades, por exemplo

As acessibilidades fazem parte da equação de sucesso para o turismo.
Sim, será sempre melhor ter boas acessibilidades, mas acho que ainda há aqui muito a fazer pela promoção do turismo. O setor do Turismo é trabalhado em Portugal há muitos anos, e bem, mas sobretudo na componente sol e praia e no litoral. Temos o caso da Rota Vicentina que, apesar de ser no litoral, já trabalha bem o património natural, mas nestes territórios do interior, as dificuldades são maiores porque ainda não existe nem a capacidade instalada nem os recursos técnicos para que o destino se torne competitivo. E conseguir esta competitividade é um processo longo. Repare, em regiões como o Algarve, o Minho, em cidades como Lisboa, Porto, Aveiro, entre outras, a máquina já está em andamento, e aqui ainda estamos a construir a máquina. Ainda é necessário juntar muita gente, pessoas, entidades, empresários para construir e pôr a máquina em andamento. Há um enorme trabalho em rede que é preciso fazer e está-se a fazer, mas os resultados não são imediatos e há muitas dificuldades pelo caminho, o que leva a muitas desistências e, naturalmente, à escolha de outros caminhos para desenvolver a região.

"O setor do Turismo é trabalhado em Portugal há muitos anos, e bem, mas sobretudo na componente sol e praia e no litoral [...], mas nestes territórios do interior, as dificuldades são maiores porque ainda não existe nem a capacidade instalada nem os recursos técnicos para que o destino se torne competitivo."

Repare, em regiões como o Algarve, o Minho, em cidades como Lisboa, Porto, Aveiro, entre outras, a máquina já está em andamento, e aqui ainda estamos a construir a máquina. Ainda é necessário juntar muita gente, pessoas, entidades, empresários para construir e pôr a máquina em andamento. Há um enorme trabalho em rede que é preciso fazer e está-se a fazer, mas os resultados não são imediatos e há muitas dificuldades pelo caminho, o que leva a muitas desistências e, naturalmente, à defesa de outros caminhos para desenvolver a região.

Quantas entidades estão envolvidas na CETS – Terras do Lince?
Além do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que é o detentor da Carta porque é o associado da EUROPARC, estão envolvidos os municípios de Almeida, Sabugal e Penamacor, várias instituições de ensino como o Instituto Politécnico de Portalegre, a Universidade da Beira Interior, o Turismo Centro de Portugal…serão entre 15 a 20 entidades, incluindo empresas privadas.

A primeira fase tinha implícita uma “vontade” ibérica, chamava-se CETS – Gata – Malcata e envolvia entidades do lado de lá da fronteira. Não funcionou? Porquê?
Não consigo responder a essa questão, porque não participei na elaboração da primeira carta. Sei que a carta em si pode ser um processo algo exigente em termos administrativos e burocráticos para alguns territórios e penso que não se conseguiu responder a essa exigência. No entanto, essa questão é interessante, porque no Sabugal e em Penamacor já tinha sido feito um trabalho de promoção conjunto das Serras da Gata e da Malcata. Chegou até a fazer-se uma promoção conjunta dos dois territórios em feiras internacionais e a ideia era continuar com a CETS, mas não aconteceu.

Nesta segunda fase, há mudanças significativas em termos de estratégia e objetivos?
Esta segunda carta é muito influenciada pela primeira, mas é diferente. Na primeira Carta, o plano de ação contava com mais de 50 ações e o processo participativo era, e foi, muito intenso. No início até se criaram dinâmicas fortes, mas foram caindo com o tempo. Talvez tivesse havido demasiada ambição… Este novo plano de ação é mais moderado e com menos foco no investimento material.

Sequóia munumental no SabugalCRIAR O SENTIMENTO DE PERTENÇA

Voltemos ao plano de ação 22-26. Qual é a estratégia e os objetivos fundamentais a alcançar?
Eu diria que há dois objetivos fundamentais. O primeiro é criar a consciência local para as Terras do Lince e para a noção do trabalho que se está a fazer para criar um destino turístico.

É criar o sentimento de pertença?
Sim. Quem vem ao Sabugal sabe da ligação ao Lince, mas o Sabugal, por si só, é um concelho bastante diverso e extenso. Penamacor mais ainda porque tem aproximadamente três quartos da Reserva no seu território e o Lince está também muito presente, mas a CETS pretende trabalhar a área protegida da Serra da Malcata e a Zona de Proteção Especial – Sítio Rede Natura 2000, que se estende até Almeida, daí a presença do concelho de Almeida, e ainda alguma área classificada do Geoparque Naturtejo. Logo, quem vem ao Sabugal, à aldeia de Malcata ou aos territórios ribeirinhos de Quadrazais, Vale de Espinho e Fóios, que estão mais próximos da Reserva, ou a Penamacor, não tem dificuldade em ligar o Lince à identidade do território, mas em Almeida é mais difícil estabelecer esta ligação.

"Quem é da minha geração e assistiu à criação da Reserva, viveu o Lince, mas as gerações mais novas não."

A criação da Reserva Natural da Serra da Malcata teve aí um papel fundamental.
Sim. Já passaram muitos anos, mas o símbolo está lá, é o Lince. Quem é da minha geração e assistiu à criação da Reserva, viveu o Lince, mas as gerações mais novas não. Daí que seja necessário criar este sentido de pertença, a identidade e esta identificação com um destino de turismo sustentável. Este será um dos passos mais difíceis e desafiantes estabelecidos para estes quatro anos.

E o segundo objetivo?
O outro objetivo é comunicar para o exterior, dar a conhecer que aqui se está a construir um destino turístico com os princípios da Carta Europeia de Turismo Sustentável, com cooperação, trabalho em rede, um turismo sustentável para a conservação e para a natureza. É preciso comunicar isto, porque as "Terras do Lince" ainda não existem como destino turístico. Para mim, isto é o mais importante porque é aquilo que poderá mais facilmente unir os três concelhos envolvidos, mais até do que os investimentos previstos.  

Como é que os pretendem alcançar?
Trazendo a força e vontade dos privados para a estratégia, e já o começámos a fazer. No início de março foram reconhecidas as treze primeiras empresas privadas parceiras da Carta (CETS II), às quais quero agradecer porque foi para eles um processo trabalhoso e difícil. Recordo que lhes é exigido o cumprimento de uma lista de critérios com cerca de 150 a 180 pontos em matéria de sustentabilidade económica, social e ambiental, pelo que se deve sublinhar o mérito de cada um. Além disso, desenharam um programa de 9 atividades que pretende que continuem a implementar medidas no âmbito da sustentabilidade e a crescer como empresas sustentáveis.

"Temos de ser claros, apesar das entidades públicas terem a obrigação de planear, gerir e promover o território, a atividade turística é deles [agentes privados]."

Os agentes privados são então fundamentais nesta segunda fase da Carta.
Sim, são fundamentais. São, porque com mais gente a falar a linguagem da Carta, a concretização dos objetivos torna-se mais fácil. Além disso, temos de ser claros, apesar das entidades públicas assumirem a obrigação de planear, gerir e promover o território, a atividade turística é deles (agentes privados).

São eles que podem trazer uma nova dinâmica?
Todos. É preciso uma nova dinâmica. Na anterior fase, quando se perdeu a coordenação, perderam-se as dinâmicas e nós estamos a corrigir isso. Só para dar um exemplo, durante o primeiro plano de ação chegámos a ter fóruns com 200 pessoas e agora se conseguirmos 40/50 é bom. Isto até pode ser normal, porque vão ficando apenas os interessados, mas há dinâmicas que é preciso recuperar e todos são importantes.
O ICNF e os municípios para a operacionalização, com os privados a terem aqui e ali algumas funções de curadoria. Os privados através da criação de uma oferta de pacotes turísticos que vão ao encontro dos princípios da Carta e que ajudem a combater a sazonalidade do turismo na região. Mas também queremos connosco entidades como a Destinature, as Aldeias Históricas de Portugal e o Turismo Centro de Portugal, entre outras entidades importantes que trabalham o turismo, porque sabemos que sem elas fica tudo mais difícil.

Todos. É preciso uma nova dinâmica. Na anterior Carta, quando se perdeu a coordenação, perderam-se as dinâmicas e nós estamos a tentar alterar isso. Só para dar um exemplo, tenho ideia de que durante o primeiro plano de ação chegámos a ter fóruns com perto de 200 participantes e agora o número é bem mais reduzido. Isto até pode ser normal, porque vão ficando apenas os interessados, mas há dinâmicas que é preciso recuperar e todos são importantes.
O ICNF, os municípios e os privados são muitos importantes na criação de uma oferta turística que esteja de acordo com os princípios da Carta e que ajude a combater a sazonalidade do turismo na região. Mas também queremos connosco entidades como a Destinature, as Aldeias Históricas de Portugal e o Turismo Centro de Portugal, entre outras entidades importantes que trabalham o turismo, porque sabemos que todos os atores são importantes.

Visto dessa maneira, o abandono da abordagem ibérica até pode vir a ser positivo?
Talvez sim, porque há mais foco.

Sequoia monumental, Sabugal.OS GRANDES DESAFIOS

Nestes projetos onde há sempre muitas entidades envolvidas, o modelo de governação é sempre um desafio para a concretização.
Sim, é verdade. Muitas vezes é preciso muita coordenação e esforço para a execução do que foi assumido no plano de ação.

Será um dos grandes desafios para a concretização dos objetivos desta fase da Carta?
É sempre. Desta vez, o modelo de governação está centrado nos três municípios – Almeida, Sabugal e Penamacor -, porque são eles que fornecem os técnicos para acompanhar prossecução dos trabalhos da Carta. Criou-se uma Estrutura Local de Animação (ELA) que é composta por oito técnicos no total, dois de cada município, um do ICNF e uma técnica que está afeta ao projeto de cogestão da Reserva Natural da Serra da Malcata. Foi este o modelo de governação encontrado após análise do anterior plano de ação, e foi bem aceite pela Federação EUROPARC. Se vai ser fácil? Não, mas é com ele que vamos trabalhar e acreditamos que vamos conseguir alcançar os objetivos estabelecidos.

E qual é o papel com o ICNF?
A relação com o ICNF é fundamental pois são a entidade associada do EUROPARC e gestora das áreas protegidas, os municípios assumem parte do esforço financeiro e a operacionalização.

O ICNF devia ter um papel mais relevante e uma relação mais próxima com os promotores deste tipo de iniciativas?
Julgo que o ICNF está a tentar ter esse papel, até pelas zonas de cogestão que se têm vindo a implementar. O problema a que se refere, penso que é um problema de âmbito nacional, não existe apenas em relação ao ICNF. Parece-me que o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) trabalhava melhor estas matérias e a partir do momento em que se acrescentou a Floresta a um organismo de conservação, a máquina, além de se ter tornado muito mais pesada, viu-se obrigada a responder também a interesses que nem sempre se coadunam com os da conservação.

"[...]entendo como difícil a junção das áreas protegidas com a gestão da floresta."

Não se devia ter juntado a gestão da floresta e a conservação da natureza no mesmo organismo?
Não sei, mas entendo como difícil a junção da gestão das áreas protegidas com a gestão da floresta. Cresci com o ICN a gerir a Reserva Natural da Serra da Malcata, e foi com o ICN que aprendi a gostar dela. Parece-me que estava mais próximo das comunidades. Agora, e voltando ao cerne da sua questão, a relação dos municípios com o ICNF é bastante boa, tanto em termos de Carta Europeia de Turismo Sustentável como no projeto de cogestão da Serra da Malcata, que é um projeto muito importante para a região.

O REGRESSO DO LINCE, TURISMO E CAÇADORES

O primeiro ponto da Carta é “Lince 2030 – O regresso do Lince Ibérico à Malcata”. O que pretendem fazer e o que estão já a fazer para trazer o lince para casa?
Haverá pessoas mais qualificadas do que eu para responder a esta questão, mas penso que é preciso criar as condições para que o Lince volte. Havendo as condições, ele vai regressar naturalmente. O que os municípios do Sabugal e Penamacor fizeram, com o projeto Lince 2020, financiado no último quadro (POSEUR),  foi criar parques de reprodução de coelho bravo para aumentar a densidade desta presa do Lince. Não sendo um profundo conhecedor, penso que se trata de um trabalho bastante difícil sobretudo pelas doenças que afetam o coelho-bravo.

Fernando Ruas, coordenador do CETS - Terras do Lince.

Quantos parques foram criados?
O município do Sabugal já dispunha de um parque, criou outro e interveio em algumas reservas de caça associativas, tentando proporcionar melhores condições para a sobrevivência aquando da reintrodução, através da criação de bebedouros, marouços e sementeiras. Não será um processo fácil, basta conhecer os projetos de reinserção do Lince realizados em Espanha e Portugal para perceber as dificuldades. Mas o importante é fazer, e tenho esperança de que entidades como a Rewilding Portugal, com muito conhecimento técnico sobre o assunto, possam dar importantes contributos nesta estratégia.
Há depois outro desafio. Apesar dos fantásticos valores naturais que existem na Malcata, o habitat do Lince não é propriamente o habitat que temos neste momento em abundância na Reserva Natural da Serra da Malcata. Grande parte da reserva é densamente florestada e o habitat do lince está longe de ser esse.

"O lince sempre conviveu com as populações locais. As populações de coelho precisam de searas, de terras cultivadas e o abandono dos territórios teve um impacto muito grande nesta matéria."

São os bosques de carvalho?
Não me parece. Penso que algo mais próximo do modelo de montado. Pelo que ouço e leio, o lince é, ou era, um animal de comunidade rural. O lince sempre conviveu com as populações locais. As populações de coelho precisam de searas, de terras cultivadas e o abandono dos territórios teve um impacto muito grande nesta matéria. Claro que as doenças que afetam os coelhos são a principal causa da diminuição do número de efetivos, mas o abandono da agricultura também pesou muito na diminuição das populações de coelho-bravo e de perdiz, por exemplo, que são presas do Lince. No entanto, não sendo um especialista na matéria, penso que junto da Reserva, ainda há boas condições e bons habitats para o Lince-ibérico, nomeadamente, em Penamacor, se pensarmos nas partes onde a densidade florestal é menor, vegetação baixa, e onde ainda se fazem sementeiras, e também em vários locais dos concelhos de Sabugal e Almeida, que recordo, são os concelhos abrangidos pela CETS das Terras do Lince

O Turismo Cinegético é focado nesta segunda fase da Carta, mas a caça não é bem vista pelos atores da conservação da natureza. Como tencionam gerir este conflito de interesses?
É um aspeto com dois grandes desafios. Confesso que é uma das ações que está mais parada. Têm sido feitas algumas ações de sensibilização nas participações em feiras de caça e, apesar de ainda não ser uma ação com muito trabalho desenvolvido, é uma das nossas preocupações. Recordo que a CETS é também uma ferramenta muito útil na gestão deste tipo de questões. Na rede EUROPARC, existe muita experiência e conhecimento para lidar com questões como esta. A caça versus conservação é apenas uma, mas há imensas situações de difícil abordagem associadas ao turismo em áreas protegidas. O “excesso de carga” é uma delas. Nós não temos esse problema aqui, mas em Espanha e no Gerês, por exemplo, existe e há planos de ação focados na sua resolução. São questões como estas que reforçam a importância de uma CETS e da metodologia a ela associada. A rede europeia é muito grande e provavelmente existem parceiros que já se debateram com questões e problemas semelhantes. A partilha de conhecimento entre os parceiros da rede será sempre uma mais-valia na resolução destas questões.

E como estão a lidar com os atores da atividade cinegética?
A ligação às reservas associativas de caça, a libertação dos coelhos, e a gestão e a monitorização da população são trabalhos para os quais seria necessária uma equipa exclusivamente dedicada e nós (CETS) não a temos. Penso que os municípios têm desenvolvido esforços na prossecução de objetivos, mas são trabalhos exigentes e demorados. No entanto, há outras dinâmicas a acontecer no território com as quais contamos nesta matéria. Por exemplo, a Rewilding Portugal está a trabalhar no regresso do Lince e do Lobo através de várias iniciativas e tem a expertise necessária. Temos mantido a proximidade e trabalhado de perto com eles apoiando iniciativas que estes pretendem desenvolver futuramente neste âmbito.

"Os caçadores são talvez das pessoas mais aptas e que melhor conhecem o território natural e podem e devem ter um papel importante na gestão dos espaços naturais, principalmente na gestão da Rede Natura 2000."

Em algumas regiões da raia, a atividade cinegética é muito importante para a sustentabilidade do turismo.
Enquanto CETS, sabemos disso. Temos de lidar com as comunidades locais, com os amantes da natureza e com os caçadores e reconhecer a importância de todos. Os caçadores são talvez das pessoas mais aptas e que melhor conhecem o território natural e podem e devem ter um papel importante na gestão dos espaços naturais, principalmente na gestão da Rede Natura 2000. Pela sua especificidade, não será fácil o regresso do Lince sem que haja um trabalho conjunto com as associações de caça, pois são espaços de eleição para a gestão do património natural. É importante ir implementando pequenos planos de ação para gerir a caça e o território de forma que todos os atores possam obter benefícios, ter mais caça e mais caçadores. E isto é do interesse das associações de caça, porque há cada vez menos associados e as reservas associativas debatem-se com dificuldades. Sem o envolvimento das pessoas, não se consegue fazer nada.

Quando é que o lince vai ter condições para regressar a casa? Em 2030?
Acredito que vamos estar mais perto, mas, não sei se sete anos serão suficientes. Penso que é um trabalho que requer muito tempo. Pode aparecer por aqui algum exemplar, como aconteceu em Alcains, mas isso é um caso singular, uma fêmea que pareceu por ali e que, eventualmente, pode cruzar-se com um macho, procriar por ali e criar uma comunidade. Pelo que li, há abundância de coelhos porque existe naquela região uma reserva de caça turística.

Mas, tendo em conta o trabalho que está a ser feito…
Não conheço todo o trabalho feito para recuperar o Lince. Apesar da criação do Centro Nacional de Recuperação do Lince-ibérico em Silves, temos de considerar que os vários programas LIFE, incluindo o LIFE da Águia Imperial, que também trabalhou durante anos ali na zona de Mértola e Castro Verde, terão contribuído também de forma muito positiva para a disseminação das populações de coelho bravo e consequentemente para as populações de Lince-Ibérico. Aqui, na Malcata, ficaria feliz se algures na próxima década pudermos dizer que o Lince regressou a casa.

No entanto, e antes de terminar, não queria deixar de referir que o trabalho da CETS (plano de ação) é bastante abrangente, não se limitando a estas questões. O plano de ação é composto de 34 ações que pretendem imprimir algumas dinâmicas e abordar questões importantes para o turismo e sustentabilidade da região. A exploração de nichos de interesse como o foraging ou a observação de aves são também parte da estratégia, assim como a formação de guias do território ou a criação de uma rede de pontos de informação turística. Essencialmente, pretendemos que a metodologia subjacente à CETS ajude a criar dinâmicas que envolvam as pessoas do território para que estas se sintam parte integrante da estratégia do destino.

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