Maria José Dinis, Fundadora da ASTA.

ASTA - Com eles, há descoberta!

Na Associação Sócio Terapêutica de Almeida (ASTA), os dias têm um ritmo muito próprio. Primeiro aquece-se o corpo, depois a alma, identifica-se o tempo, faz-se a localização no espaço e cantam-se músicas alusivas à estação do ano. Este ritual diário parte dos princípios da Antroposofia, uma doutrina filosófica e mística fundada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, segundo o qual há um tipo de perceção espiritual que opera de forma independente do corpo e dos sentidos corporais. Pode parecer complexo ou até esotérico, mas funciona.

Fundada há 23 anos por Maria José Dinis (foto 1), a ASTA é uma referência de inovação entre as Instituições Particulares de Solidariedade Social que apoiam, integram e capacitam pessoas com deficiência intelectual tendo atualmente 45 “companheiros” – nome dado aos utentes - divididos em quatro tipos de residência: total dependência, semi-dependência, independência e passageiros – companheiros que frequentam a instituição durante o dia regressando à noite à casa dos pais ou tutores.

Tudo se diferencia, tudo se potencia
“O objetivo ‘core’ da ASTA são as pessoas com deficiência, mas não podemos ser apenas um sítio para receber pessoas com deficiência. Temos de ser mais do que isso”, explica Maria José Dinis. “A nossa crença no potencial e no papel que as pessoas com deficiência têm na sociedade é a filosofia que distingue a ASTA das restantes instituições do género”, afirma a fundadora.

Na ASTA, o trabalho é uma das maiores fontes de dignificação da pessoa deficiente. Há ateliers de olaria, carpintaria, tecelagem, onde é trabalhado todo o ciclo da lã, uma quinta onde se trabalha a terra e produz produtos hortícolas, pão, queijo, e uma cozinha que não só serve os companheiros, os colaboradores e os visitantes da ASTA como tem também uma função na filosofia terapêutica da instituição. Estes espaços dividem-se entre as instalações da ASTA, no Alto da Fonte Salgueira, e a aldeia de Cabreira, a terra natal da fundadora, e deles saem produtos trabalhados pelos companheiros que são comercializados em lojas da região. Não é um negócio, porque as exigências temporais e quantitativas do mercado não se adequam aos ritmos dos companheiros. É, sobretudo, uma forma de valorização das pessoas que os produzem e uma demonstração que a deficiência não é necessariamente um sinónimo de incapacidade.

Anemón Leton, corrdenadora do projeto de Turismo inclusivo, social e de natureza "Contigo, há Descoberta",O “Contigo, há descoberta”, surge no mesmo sentido. O projeto foi pensado entre 2018 e 2019 e, em 2020, Anémone Leton (foto 2), uma jovem de origem belga que encontrou nas paisagens do Côa a paz que procurava e que fazia voluntariado na ASTA, foi convidada pela fundadora a coordenar o projeto. “O maior receio que tenho é que as pessoas pensem que se trata de turismo pessoas para deficientes”, diz Anémone. “Não é. No ‘Contigo, há descoberta’, os companheiros são os atores principais das atividades. São eles que conduzem as atividades. São os guias, os mentores e os professores nos ateliers”, explica.

Para tal, foi e é necessário um trabalho constante junto dos companheiros. Todas as semanas há duas aulas de memorização, uma espécie de ensaio que os ajuda no aspeto mais frágil, o intelecto. O resultado é uma oferta estruturada de um, dois dias e uma semana, direcionada para adultos, crianças, empresas e para toda a gente que procure uma experiência turística humanizadora e promotora de um desenvolvimento sustentável e holístico. Os programas, disponíveis no website da instituição, incluem atividades nos ateliers, visitas guiadas às Aldeias Históricas de Almeida e Castelo Mendo e caminhadas interpretativas onde se ilustra a lenda da Cabreira - a menina pastora, que deu origem ao nome da aldeia - e sensibilizam-se os visitantes para a vegetação autóctone.

Parte da equipa do "Contigo, há descoberta", promovido pela ASTA.A ASTA faz parte da Carta Europeia de Turismo Sustentável (CETS), cujo Plano de Animação inclui a orgamização workshops de Foraging, promovidos pelo Município de Penamacor - um dos municípios promotores da CETS, a par dos Municípios do Sabugal e de Almeida -, onde se aprende a passar os alimentos da natureza para a mesa. “Este é, por exemplo, um dos conhecimentos que os companheiros passam aos nossos visitantes”, diz Anémone, sublinhando que todas as atividades são conduzidas pela equipa de companheiros da instituição preparada para o projeto (foto 3).

No meio do nada, no centro de tudo
 Para quem vem de fora, o Alto da Fonte Salgueira, na aldeia de Cabreira, é no meio do nada, mas o contexto paisagístico em que está inserida a ASTA é também um fator diferenciador da instituição. Para quem a vê de dentro, está no centro de tudo.

“A nossa localização faz toda a diferença. É importante que a socioterapia se faça junto da natureza para que o binómio ser humano-natureza se possam aproveitar e fundir”, explica Maria José Dinis. Por exemplo, após o ritual diário matinal, há sempre lugar a uma caminhada. Maria José Dinis revela que aquando da primeira visita de avaliação do projeto, os técnicos do PIDDAC pediram-lhe para erguer a instituição na cidade da Guarda, onde havia espaços disponíveis. “Nunca seria a mesma coisa. A localização é, sem dúvida, um dos elementos diferenciadores da ASTA”, defende a fundadora da ASTA.

Mas a diferença de estar em pleno contexto natural não se reflete apenas na terapêutica. A ASTA é o dínamo de uma região desumanizada. “Há uma Cabreira antes e uma Cabreira depois da ASTA”, diz Luis Fonseca, Presidente da União de Freguesias da Amoreira, Parada e Cabreira.No dia em que vistámos a associação para conhecer o projeto, celebrava-se o São Martinho e o cortejo de lanternas, uma tradição antiga de Cabreira, um evento para o qual os companheiros trabalharam durante várias semanas.

A ASTA trouxe emprego e investimento. Além dos edifícios construídos de raíz, a instituição é responsável pela recuperação de seis casas e edifícios na Cabreira e em Almeida. Entre eles, estão a cozinha, alojamentos para os companheiros e para turistas e os edifícios que albergam os ateliers da ASTA. Mas trouxe, sobretudo, ânimo. Aos companheiros, pela forma inovadora e valorizadora da terapêutica utilizada, à economia local e aos pouco mais de 300 habitantes das três aldeias.

“Contigo, há descoberta” é mais do que uma iniciativa de cariz turístico. É uma parte de um projeto de desenvolvimento holístico que vale a pena experienciar. Aceite e vá até lá descobri-lo. E, quem sabe, descobrir-se.

@iNature.

Na ASTA, a arte é terapia